Será o fim do ICMS sobre as tarifas de transmissão e distribuição de energia?
- marcoandradeadv7
- 4 de ago. de 2022
- 4 min de leitura
Publicação da LC 194 já implica na suspensão automática de efeitos de legislações estaduais

A energia elétrica é considerada uma mercadoria e, como tal, as operações de compra e venda estão sujeitas ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), cobrado pelos estados. Entretanto, há tarifas cobradas sobre a transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) de energia elétrica e, sobre tais valores, existe uma histórica discussão sobre se incide ou não esse imposto.
De um lado, contribuintes defendem que o ICMS incide apenas sobre a comercialização de energia elétrica, o que não abrange as tarifas sobre a estrutura física de transmissão e distribuição, dado que decorrem de naturezas jurídicas distintas. De outro, as autoridades fazendárias entendem que os encargos de conexão, como um todo, compõem o preço a ser arcado pelo consumidor final, isto é, o ônus econômico relacionado à aquisição da energia elétrica e que, por essa razão, devem integrar a base de cálculo do ICMS (assim como os valores correspondentes a seguros, juros e frete).
O Supremo Tribunal Federal (STF) historicamente considera que a discussão é infraconstitucional, existindo mera afronta reflexa à Constituição. Assim, concluiu que não lhe cabe se posicionar sobre o tema (RE 1.041.816 RG, de 04/08/2017).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua vez, julgou a matéria de modo divergente, ao longo dos anos. Inicialmente, a 2ª Turma proferiu diversas decisões de modo favorável aos contribuintes, sob o argumento de que, da mesma forma que não incide o ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos, não poderia incidir o ICMS sobre os serviços de transporte que implicam na transmissão e distribuição de energia elétrica. A 2ª Turma do STJ chegou a afirmar, em novembro de 2017, que “está consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) não integram a base de cálculo do ICMS”.
Entretanto, no julgamento do recurso especial 1.163.020/RS, a 1ª Turma decidiu de modo divergente, sob o argumento de que o custo dos encargos de transmissão e distribuição compõe o preço final da operação e, consequentemente, deveria ser incluído na base de cálculo do tributo.
Foram opostos embargos à decisão proferida nesse recurso especial e, tendo em vista a nítida divergência entre os posicionamentos da 1ª e 2ª Turmas do STJ, admitiu-se o recurso como representativo da controvérsia verificada na corte, a ser decidido pela 1ª Seção do STJ sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 986). Essa controvérsia ainda está pendente de julgamento definitivo.
Com a publicação da Lei Complementar 194, de 23 de junho de 2022, se incluiu expressa menção à não incidência do ICMS sobre “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”. Daí se questionar se o Legislativo efetivamente jogou uma pá de cal sobre a discussão e quais os efeitos esperados sobre as ações judiciais que foram ajuizadas anteriormente à publicação da nova lei.
Nos últimos meses, muito se noticiou sobre as tentativas do Congresso Nacional de delimitar o modo como os estados cobram o ICMS, especialmente sobre os combustíveis e a energia elétrica. Nesse contexto, o STF tem sido acionado para verificar se houve quebra do pacto federativo e se foi ferida a autonomia dos estados para dispor sobre tributos de sua competência (nesse sentido, ADI 7164, ADI 7191, ADI 7195 e APDF 984).
Dentre todas essas ações que tramitam no STF, talvez a APDF nº 984 seja a que vá centralizar o entendimento do Supremo sobre tais questões. Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, convocou-se uma audiência de conciliação entre os estados e a União, na qual os estados apresentaram propostas para mitigar os efeitos da redução do ICMS sobre os cofres estaduais.
Além das propostas relacionadas ao ICMS incidente sobre o diesel e aos impactos indiretos sobre os fundos de combate à pobreza, os estados solicitaram que a não incidência do ICMS sobre a TUSD e a TUST não passe a vigorar imediatamente, sugerindo que seja aguardado o julgamento definitivo da questão pelo STJ. A União já rechaçou o pedido dos estados, sob o argumento de que não haveria que se aguardar pelo julgamento do STJ, tendo em vista que a LC 194 já passou a tratar do assunto.
Em paralelo, até a redação deste artigo, apenas os estados de Espírito Santo, Santa Catarina, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Pernambuco já atualizaram suas respectivas legislações, isto é, passando a prever a não incidência das tarifas cobradas sobre a transmissão e distribuição de energia elétrica sobre o ICMS.
Também se noticiou que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) deve firmar em breve um convênio com fórmula para a retirada da TUST e da TUSD do ICMS.
No nosso entendimento, a publicação da LC 194, por si só, já implica na suspensão automática dos efeitos das legislações estaduais que dispõem de modo contrário. Dessa forma, os contribuintes já estariam autorizados a interromper o recolhimento do ICMS sobre a TUSD e a TUST.
Entretanto, convém que os estados prestem os devidos esclarecimentos sobre o tema, inclusive para eventual dispensa do cumprimento das obrigações acessórias correlatas. A esse respeito, note-se que no estado de São Paulo, por exemplo, se prevê a obrigação de emissão de notas fiscais especificamente em relação aos encargos de conexão, o que não faz sentido ser mantido, dado que tal cobrança não está no campo de incidência do ICMS.
Adicionalmente, nos parece que a LC 194 possui caráter interpretativo, ao menos no que se refere à não incidência do ICMS sobre a TUSD e a TUST, até porque não cabe a uma Lei Complementar mitigar a competência tributária estadual. Portanto, não poderia ser tida de forma diferente.
Isto nos leva à possibilidade de que seus efeitos retroajam a fatos geradores anteriores à publicação da lei. Assim, os contribuintes têm direito não só a interromper o recolhimento do tributo sobre tais valores, mas também à restituição do tributo pago indevidamente, em um prazo de até cinco anos antes da publicação da LC 194.
Créditos: DOUGLAS MOTA – Sócio da área tributária do Demarest Advogados
PAULO HENRIQUE LIGORI FIGUEIREDO – Advogado da área tributária do Demarest Advogados




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